1 Introdução
As empresas familiares constituem uma realidade muito específica e, apesar de serem classificadas muitas vezes como sociedades comerciais fechadas não escapam às influências do comportamento dos mercados1. Se em termos tipológicos há algumas dificuldades de delimitação conceptual os maiores desafios estão presentes quando se trata de questões relacionadas com o funcionamento e com a gestão, mormente aqueles que decorrem diretamente da existência de uma influência da “família empresária” que se faz sentir em diversos domínios. Embora os aspetos mais comumente analisados se relacionem com a gestão e a propriedade, versaremos sobre um outro aspeto que, quer direta quer indiretamente, impacta naqueloutros: as implicações fiscais decorrentes da transmissão das partes sociais maxime a transmissão mortis causa.
A importância e o contributo destas empresas para o desenvolvimento económico dos países e para o progresso social demanda uma análise cuidada da proteção jurídica que lhes é concedida ou, se preferirmos, da necessidade de não deixar completamente desprotegido este tipo societário específico em detrimento de outros. A especial vulnerabilidade destas entidades é muito evidente em termos gestionários, mas a exposição a outras variáveis suscetíveis de geraram dificuldades e poderem colocar em causa a continuidade da atividade empresarial com todos os problemas que isso acarreta, requer a adoção de medidas que permitam o reforço da sua estabilidade.
Para muitas das empresas familiares a sustentabilidade económica depende tanto da forma como são geridas como do planeamento da transferência dos ativos que constituem a empresa entre os membros de uma mesma família, sobretudo, entre gerações. As atividades empresariais são, não raras vezes, influenciadas por aspetos emocionais – em que o coração se sobrepõe à razão – mas não deixam de tomar em consideração as implicações fiscais daí decorrentes. A transmissão do controlo ou da propriedade da empresa pode causar divergências e introduzir alterações consideráveis na gestão e funcionamento e, por esta via na continuidade da atividade2.
A este nível é importante considerar as implicações decorrentes dessa ideia de perenidade das relações decorrente da garantia de transmissão da empresa de geração em geração e a interligação existente entre o património familiar e o património empresarial3. A ambivalência dos fatores acabados de referir é evidente. Se por um lado contribuem para transmitir uma sensação de segurança e de continuidade, uma vez que permitem uma maior flexibilidade e capacidade de resposta aos desafios do mercado, por outro lado, colocam a continuidade das empresas familiares, sobretudo das de menores dimensões, na dependência de decisões em que o fundamento económico pode ser secundarizado.
Antes de avançarmos, não podemos deixar de referir que a própria delimitação do conceito de empresa familiar é muito difícil e que a falta de consenso entre os especialistas de direito das empresas leva a que alguns aspetos quedem por esclarecer4. Mas, mais do que isso, importa considerar que a sustentabilidade a longo prazo das empresas familiares está intrinsecamente relacionada com o sucesso da transferência das entidades de uma geração para a geração seguinte. O planeamento da transmissão constitui, assim, um aspeto de enorme importância e a consideração dos efeitos fiscais de cada uma das opções pode influenciar de forma determinante a decisão. À escala global e, também, no espaço da União Europeia, as divergências entre os sistemas fiscais nacionais podem ser muito evidentes e ter um impacto não despiciendo nos custos de transmissão das empresas familiares.
2 As empresas familiares no contexto da União Europeia e em Portugal: breve referência
As empresas familiares constituem uma realidade muito específica no contexto empresarial. Embora sejam apontadas como notas caracterizadoras genéricas a existência de três círculos, ou áreas, interligados entre si: a propriedade, família e gestão. Este modelo, desenvolvido por Tagiuri e Davis em finais da década de 19705 tem vindo a ser aperfeiçoado e adotado de forma bastante flexível, pela generalidade dos autores, refletindo as dificuldades inerentes à própria delimitação do conceito, nomeadamente as que demandam a possibilidade de inclusão nesta noção das empresas ou grupos de empresas cotadas em mercados regulados. O modelo demonstra a interação entre os três círculos de pessoas e dos interesses diversificados de cada um dos grupos e, dentro destes, dos subgrupos existentes. Ajuda também a dispersão das tensões familiares, neutralizando as divergências pessoais e substituindo-as pelos interesses empresariais, numa relação dinâmica e em quase constante mutação6.
As dificuldades inerentes à delimitação precisa do conceito decorrem, em parte, da diferenciação das perspetivas de análise. Enquanto que alguns autores centram o conceito na propriedade outros demandam que exista, também, um envolvimento da família na gestão da empresa7. Qualquer que seja a definição seguida, dúvidas parecem não existir de que a mesma terá de ser reconduzida a uma realidade em que os detentores da empresa têm a possibilidade de controlar a empresa e de decidir se este controlo se mantém ou não na esfera das futuras gerações familiares8. De pouco interessaria esta referência e a preocupação com a elaboração de um conceito tendencialmente preciso não fora a importância destas empresas no contexto económico global e no espaço da União Europeia.
Essa proeminência é revelada pelos vários estudos realizados e foi confirmada recentemente no Global Family Busnines Index9. De entre as 500 maiores empresas familiares 54% tem sede na Europa, enquanto o continente norte-americano acolhe 30% e a Ásia e Pacífico 16%. Do mesmo estudo, resulta, ainda, que estas empresas, de longevidade já reconhecida, empregam cerca de 24.5 milhões de pessoas e arrecadam receitas de cerca de 8.02 biliões de dólares10. Contribuindo para o crescimento económico à escala global estas empresas são ainda consideradas como extremamente importantes ao nível da garantia de valores sociais. O compromisso com o cumprimento de valores familiares que constitui a matriz de muitas dessas entidades tem levado a que se considere que as mesmas dão cumprimento aos ESG de forma voluntária e a compatibilização entre vida profissional e pessoal dos que interagem com a sociedade é vista como um parâmetro essencial da atividade desenvolvida e da missão dessas empresas11.
Se ao nível dos aspetos legais relacionados com o processo de criação da empresa familiar não existem quaisquer especificidades relativamente às demais sociedades12 – a identificação dos sócios, a escolha da denominação da sociedade, o tipo de sociedade a adotar, o objeto social, a localização da sede, o capital social, o montante e a natureza da participação social, a forma de concretização da entrada de cada detentor de participação social, a composição dos órgãos, as regras relativas ao exercício dos direitos perante a empresa e as regras de dissolução da sociedade – no que a outros aspetos diz respeito há algumas nuances, ainda que não decorrentes de um tratamento diferenciado das empresas familiares.
Do ponto de vista objetivo, a constituição destas sociedades tem que obedecer às exigências colocadas às demais entidades que adotem formas similares àquela que seja escolhida para materializar a sociedade familiar. Na concretização dessas exigências, sobretudo no que diz respeito à propriedade das participações sociais, ao controlo e à direção da sociedade, verificamos que a cultura e os valores familiares são tidos em consideração e afetam, não raramente de modo essencial, a estrutura de governo da sociedade e podem alargar-se a outros aspetos.
A existência de laços familiares entre os sócios, acionistas ou detentores do controlo da sociedade obrigam a uma composição harmoniosa dos interesses em causa, sempre no respeito pela continuidade a longo prazo da atividade empresarial desenvolvida. Importa não só garantir a harmonia no desenvolvimento das atividades empresariais, mas, também e ao mesmo tempo, uma idêntica composição dos interesses familiares. Estas especificidades não deixam de influenciar a escolha do tipo de sociedade a constituir. Recorde-se que a transmissão das participações sociais e a possibilidade de limitação ou condicionamento dos negócios inter vivos ou, até mesmo, mortis causa, representa aqui, um aspeto fundamental. Se no primeiro tipo de transmissões o leque de limitações é bastante alargado e se estende a várias tipologias de sociedades, o segundo sofre contrações importantes uma vez que as limitações a estabelecer por via contratual ou o desvio às normas legais apenas pode suceder nos casos em que a lei o permita13.
O aspeto distintivo das empresas familiares decorre das relações existentes entre os proprietários e os gestores. A influência que este aspeto exerce quer sobre a gestão corrente quer sobre o planeamento da atividade a longo prazo é bastante visível ao nível da estratégia de transmissão à geração seguinte das participações sociais.
Ao invés de funcionar livremente a regra aplicável na generalidade das situações, a transmissão dos poderes de gestão da sociedade obedece a critérios devidamente estabelecidos e consolidados que podem causar tensão entre os membros familiares que discordam deles que não tiveram oportunidade de se pronunciarem sobre o seu conteúdo. A escolha dos beneficiários da transmissão pode ter em consideração vários aspetos e tem em vista determinar quem são os mais hábeis ou mais aptos ao desempenho das tarefas e respeitando o legado familiar constituído pelos valores, conhecimentos e especificidades do negócio transmitido.14. Esta escolha pode ser um fator de tensão familiar, sobretudo nos casos em que implique uma alteração das regras sucessórias suplementares estabelecidas no direito civil, afetam quer a dimensão e composição da quota hereditária dos herdeiros legitimários, quer de herdeiros testamentários.
A empresa, não sendo encarada só como um mero veículo económico, demanda uma gestão voltada para a continuidade do nome familiar e das práticas que lhe estão associadas. Os stakeholders, sejam eles clientes ou fornecedores ou membros da comunidade que direta ou indiretamente interagem com a sociedade, contam com essa continuidade de valores e princípios, realidade esta muito valorizada em termos comerciais e que influencia o valor de mercado da mesma. A continuidade da empresa e a permanência do controlo dentro da mesma família podem implicar ou impossibilitar determinado tipo de transmissões ou pressionar no sentido da manutenção do seu controlo, gestão e direção dentro do mesmo círculo familiar. O que está aqui em causa é não tanto (ou não só) a continuidade da atividade empresarial, mas antes a permanência daquela atividade, exercida naqueles termos, por forma a perenizar os valores e a missão adotados pelos fundadores.
A estas condicionantes juntam-se o impacto, mais ou menos visível, dos encargos fiscais. É sobre estes que falaremos em seguida.
3 A tributação dos rendimentos obtidos na exploração das empresas familiares
Esclarecidas, muito sucintamente, as motivações por detrás da escolha dos beneficiários das transmissões de participações sociais nas empresas familiares é agora tempo de nos determos sobre alguns dos principais aspetos relacionados com a tributação dos rendimentos decorrentes do exercício da atividade empresarial. Importa salientar que também neste aspeto não existem, em Portugal, normas fiscais diferenciadoras, o que equivale a dizer que o regime fiscal não sofre, nestes casos, qualquer desvio. Porém, as particularidades destas empresas e as escolhas feitas acabam por ter impacto ao nível dos encargos fiscais ou ser por estes condicionadas15.
Como já referimos supra, estas empresas agregam vários membros de uma família, indivíduos esses que podem desempenhar, na estrutura organizatória, diversas tarefas ou funções. É relativamente comum que a empresa familiar seja entidade empregadora de alguns membros da família que a detém, controla e gere. A escolha de uma determinada pessoa para o desempenho de uma função específica pode – e deve, naturalmente – estar sujeita aos critérios de recrutamento de recursos humanos estabelecidos pela direção da empresa.
Dentro deste enquadramento os rendimentos do trabalho obtidos por decorrência do exercício de uma atividade profissional – dependente ou como prestação de serviços – serão tratados com tal, desconsiderando-se a existência de um vínculo familiar com as pessoas físicas que detêm o controlo da entidade que os colocou à disposição do trabalhador ou prestador de serviços. Nem de outro modo poderia ser. Desde logo porque a empresa familiar é, do ponto de vista jurídico e económico, um centro autónomo de imputação de direitos e de deveres só se justificando o levantamento da personalidade jurídica nos casos em que a lei o preveja.
Este tipo de rendimentos goza das mesmas prerrogativas e proteção que são de aplicar aos rendimentos do trabalho e ao trabalho independente. Não obstante o que acabamos de referir são de considerar, aqui com especial importância e incidência, as limitações decorrentes do princípio da boa fé e do abuso de direito, sempre que seja necessário determinar se os pagamentos são indevidos, excessivos ou defraudatórios dos comandos legais.
Diríamos, porém, que estão nós perante um domínio em que o princípio da liberdade de gestão ocupa um lugar cimeiro, as situações em que esses outros princípios podem ser convocados como limitadores daquele serão bastante escassos. São disso exemplo as situações em que formalmente existe um pagamento de uma retribuição do trabalho, mas que, de facto, o que se remunera é a participação no capital da empresa. Ou seja, estarão em causa aquelas situações em que seja possível concluir que o pagamento não tem qualquer correspondência com a prestação de trabalho ou de serviços.
Para que seja relevada a natureza declarada dos benefícios não bastará uma distinção face a prestações similares, nem, sequer, uma dissemelhança desproporcional dos valores em causa. Deve ser evidente que aquele pagamento concreto corresponde, no todo ou em parte, a uma distribuição antecipada dos lucros. Convém ter presente que dentro deste grupo de pessoas que são colaboradores da empresa, mas que têm laços familiares com os elementos que controlam a atividade da mesma, há um leque diferenciado de situações: aqueles que têm uma dupla condição, seja esta derivada da detenção de capital ou do poder de controlo da empresa e da existência de uma relação laboral e os que não tendo qualquer outra posição de gestão ou de detenção de capital são colaboradores. Estes últimos aparecem, perante a empresa, em igualdade de circunstâncias face aos demais. Esta diversidade de relações pode ter implicações na classificação dos rendimentos colocados à disposição dos elementos de cada um destes grupos. Diríamos que, em regra, os rendimentos colocados à disposição de um colaborador, seja ele ou não um membro da família que detém a propriedade e/ou o controlo da empresa familiar devem ser tratados como salários. Nessa medida, são considerados despesa da empresa, contribuindo para o decréscimo do rendimento bruto da empresa, do rendimento tributável a nível empresarial e dos lucros distribuíveis. Pela mesma razão, os demais encargos suportados pela entidade patronal ou beneficiária da prestação dos serviços que não são de reconduzir à categoria de salário, mas antes a outras despesas a suportar por conta dessas prestações são, cumpridos que estejam os demais requisitos legais, considerados, contabilística e fiscalmente, como custos contribuindo para a determinação dos resultados contabilísticos e fiscais da mesma16.
Na esfera dos beneficiários estes valores são tratados como rendimentos do trabalho ou como rendimentos empresariais, enquadrando-se, consoante os casos, na categoria A do rendimento ou na categoria B de rendimentos do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS). Em qualquer caso ficam sujeitos a englobamento e são tributados de acordo com as regras estabelecidas nos arts. 22.º e seguintes do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRS)17.
O mesmo sucederá com os rendimentos que correspondam aos lucros distribuídos18 aos detentores de participações sociais que, nestes casos, integram a categoria E de rendimentos, nos termos da alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS. A tributação desses rendimentos ocorrerá no período em que os mesmos são colocados à disposição dos sócios. Nos casos em que exista adiantamento por conta dos resultados a distribuir, essa imputação terá de ser feita ao período fiscal em que os mesmos foram efetivamente recebidos e não ao período ao qual deveriam ser imputados a nível empresarial. Estes rendimentos estão atualmente sujeitos a tributação operacionalizada através da aplicação de uma taxa liberatória de 28%, liquidada através de uma retenção na fonte19 – cfr. art.º 71.º, n.º 1, alínea a) do CIRS – podendo, nos termos do n.º 6 do mesmo artigo ser, ou não, sujeitos a englobamento.
O sujeito passivo do imposto pode conseguir um tratamento fiscal mais favorável destes rendimentos caso se encontrem preenchidos os requisitos do art.º 40.º-A do CIRS, a saber: (a) a entidade que distribui os rendimentos preencha os requisitos e condições estabelecidos no artigo 2.º da Diretiva n.º 2011/96/UE, do Conselho, de 30 de novembro, relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades mães e sociedades afiliadas de Estados membros diferentes; (b) o beneficiário da distribuição de lucros opte pelo englobamento do rendimento e, (c1) que a entidade que distribui os lucros quer o beneficiário sejam residentes fiscalmente em Portugal, noutro Estado-membro da União Europeia ou num Estado membro do Espaço Económico Europeu ou (c2) não sendo residente(s) num Estado-membro, seja residente num Estado que esteja vinculado a cooperação administrativa no domínio da fiscalidade equivalente que vigora entre os Estados da União Europeia20. Esta redução da base de incidência do imposto deve ser entendida como uma eliminação parcial da dupla tributação económica dos lucros distribuídos21.
Na esfera da sociedade os valores correspondentes aos lucros distribuídos, embora constituam contabilisticamente variações patrimoniais negativas não são relevantes fiscalmente – cfr. art.º 24.º, al. c) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC) – sendo, por isso, esses valores considerados como integrantes do rendimento que serve de base ao cálculo da matéria tributável da empresa.
Por último, uma breve alusão ao regime da transparência fiscal aplicável em alguns casos às empresas familiares. Nos casos em que estejam preenchidos os requisitos do art.º 6.º, n.º 1 e n.º 4 al. c) do CIRC, isto é, nos casos em que exista uma sociedade de simples administração de bens cuja maioria do capital social pertença, direta ou indiretamente, a um grupo familiar durante um período não inferior a 183 dias (num ano) é imputável aos sócios a matéria coletável que deveria ser tributada na esfera dessa sociedade. Embora esta seja uma situação particular de empresas familiares, ainda assim, existe esta especificidade tributária.
4 A tributação da transmissão das empresas familiares em Portugal
As considerações que tecemos no ponto precedente são ligeiramente diversas dos aspetos que analisaremos em seguida e que dizem respeito à tributação das operações das empresas familiares no ordenamento jurídico português. Também aqui se faz notar que inexistem normas tributárias especificamente desenhadas para estas situações concretas. Recordamos, ainda, que na complexidade das empresas familiares encontramos nano empresas, pequenas empresas, médias empresas e grandes empresas e que as mesmas adotam, entre nós, vários modelos societários. Esta diversidade pode condicionar, também, o modo escolhido para a sua transmissão à geração familiar seguinte.
A generalidade das reflexões em torno destes temas centra-se na ponderação de aspetos quantitativos reveladores de tendências decorrentes da análise de experiências concretas e que enfatizam sobretudo questões relacionadas com a distribuição dos poderes de controlo dentro da empresa e da sua transmissão às gerações seguintes. São, assim, diferenciadas as posições de proprietários, gestores e outros o que permite escolher, desde muito cedo, o sucessor em cada uma delas e preparando a transmissão de forma muito cuidadosa; em alternativa essa decisão pode ser deixada para mais tarde, optando por escolher se escolher o sucessor natural, por ser aquele que apresenta maiores garantias de assegurar a continuidade da atividade da empresa e a perpetuação dos valores e ideias que estiveram subjacentes à sua criação e funcionamento até esse momento22. Estas escolhas têm, naturalmente, sempre como base assegurar a continuidade do convívio harmonioso entre os vários membros da família e a continuidade da atividade empresarial23. Ao nível da prossecução da atividade e da expansão do negócio a longo prazo é de considerar, ainda, a importância que a internacionalização das atividades e a abertura a financiadores externos à família pode ter em cada contexto. Importa considerar, também, os estímulos à diversificação dos investimentos conseguida, nomeadamente, através da dispersão geográfica dos negócios familiares e de adaptações ou alterações setoriais24.
A (aparente) não priorização dos aspetos financeiros na transmissão da empresa à geração seguinte e a sua substituição pela necessidade de preservação da riqueza socio-emocional pode conduzir a ineficiências económicas. É precisamente para evitar ou minorar essas ineficiências que o planeamento da operação e a consideração do impacto fiscal de cada uma das opções disponíveis que esta questão assume um relevo não despiciendo no contexto da continuidade das empresas familiares25. A diversidade de formas jurídicas assumidas pelas empresas familiares também influencia a maior ou menor flexibilidade ao nível do planeamento das operações de transmissão das participações no capital social e do impacto fiscal que das mesmas pode decorrer.
A heterogeneidade das empresas familiares e das formas de organização dos membros familiares em cada uma das estruturas destas sociedades é, já o referimos, influenciada por objetivos económicos e não económicos26. E são precisamente estes últimos, como sejam a reputação e o bom nome da família que constituem o que podemos designar por riqueza sócio emocional27 que, não tendo valor económico mensurável, influenciam outras componentes da valorização da empresa, vão influenciar algumas das decisões relacionadas com o planeamento fiscal, mais ou menos agressivo, a adotar no caso da transmissão das participações sociais.
Dentro das várias hipóteses possíveis vamos excluir da nossa análise, por razões de raciocínio lógico, a transmissão das partes sociais para outros membros da mesma família através de negócios jurídicos onerosos28. Nessas situações a inexistência de diferenciação face a quaisquer outros negócios praticados entre dois sujeitos passivos que não tenham entre si qualquer vínculo familiar é evidente.
Nas demais situações, ou seja, naquelas que por agora nos interessa analisar de forma mais detalhada, teremos de considerar vários conjuntos normativos, desde as normas que regulamentam a capacidade de disposição dos bens que compõem o património por uma pessoa humana e, também, as normas que dizem respeito à sucessão mortis causa. De entre estas últimas, assumem um relevo muito importante as normas que definem os vários tipos de beneficiários da herança e que, no caso português, delimitam os direitos sucessórios de cada um dos elementos da família. Aliás, é importante mencionar, desde logo, que para estes efeitos não é determinante o conceito sociológico de vínculo familiar, mas, apenas e só, a densificação jurídica desse mesmo vínculo. Em termos fiscais os graus de parentesco podem ser relevantes para determinação da incidência subjetiva do imposto e da alíquota a aplicar em cada caso concreto. Centremo-nos, primeiramente, nas transmissões de participações sociais de empresas familiares por negócio gratuito inter vivos.
4.1 Por negócio gratuito inter vivos
Em termos formais, a transmissão de participações de empresas familiares por negócio gratuito inter vivos obedece aos mesmos requisitos que os restantes negócios jurídicos similares e, contrariamente ao que sucede nas transmissões onerosas, tem em consideração os vínculos familiares existentes entre transmitente e transmissário. Desde 1 de janeiro de 2004 que estas transmissões estão sujeitas a tributação em sede de imposto de selo, tributo este que substituiu o Imposto sobre as Sucessões e Doações29.
A sujeição a tributação da transmissão gratuita por negócio inter vivos de participações sociais encontra-se prevista na alínea c) do n.º 3, do art.º 1.º do Código do Imposto do Selo (CIS), recaindo o encargo do imposto, nos termos estabelecidos pelo art.º 3.º do citado diploma, sobre os titulares do interesse económico em causa, isto é, sobre os beneficiários da liberalidade (donatários)30.
No caso concreto das transmissões de participações sociais em empresas familiares, o valor a considerar será determinando de acordo com a tipologia da sociedade em causa.
Sendo uma sociedade por ações31, o valor relevante para estes efeitos corresponde à cotação na data da transmissão, ou inexistindo esse valor, na data mais próxima dentro dos seis meses anteriores. Naqueles casos em que as ações não digam respeito a uma sociedade cotada em mercado oficial, corresponderá (i) ao valor nominal das ações transmitidas quando este não ultrapassar (euro) 500,00; (ii) nos casos em que a soma do valor nominal das ações transmitidas ultrapasse aquele valor de acordo com a aplicação da seguinte fórmula
Em que,
Va representa o valor de cada ação à data da transmissão;
n é o número de ações representativas do capital da sociedade participada;
S é o valor substancial da sociedade participada, o qual é calculado a partir do valor contabilístico correspondente ao último exercício anterior à transmissão com as correções que se revelem justificadas, considerando-se, sempre que for caso disso, a provisão para impostos sobre lucros;
R1 e R2 são os resultados líquidos obtidos pela sociedade participada nos dois últimos exercícios anteriores à transmissão, considerando-se R1 + R2 = 0 nos casos em que o somatório desses resultados for negativo, sendo f o fator de capitalização dos resultados líquidos calculado com base na taxa de juro aplicada pelo Banco Central Europeu às suas principais operações de refinanciamento, tal como publicada no jornal da União Europeia e em vigor na data em que ocorra a transmissão, acrescida de um spread de 4 %32;
(iii) ou, no caso de sociedades constituídas há menos de dois anos, o a tributar será o valor das ações transmitidas, sendo que o valor unitário será calculado de acordo dividindo o valor da substancial da sociedade participada (S, na aceção referida em (ii)), pelo número de ações representativas do capital da sociedade participada (n);
Nos restantes casos, isto é, na transmissão de participações sociais de empresas familiares que não sejam de considerar sociedades anónimas, o valor das quotas ou partes sociais é determinado a partir do último balanço o pelo valor atribuído em partilha ou liquidação dessas sociedades. Só assim não será se após essa transmissão para o herdeiro, legatário ou donatário do sócio falecido ou doador este(s) a(s) transmitir(em) o valor da transmissão tiver sido fixado no contrato social.
A autoridade tributária goza de um poder de controlo limitado na determinação do valor com base no último balanço. Embora esteja obrigada nos termos do n.º 1 do artigo 31.º do CIS a remeter à Direção-Geral de Finanças o extrato do balanço e demais documentos apresentados ou de que disponha para que o valor a considerar para efeitos de determinação desse valor não pode, sem mais, afastar os dados constantes desses documentos. Ou seja, a autoridade tributária pode, apenas, corrigir o valor patrimonial tributário dos imóveis se este não corresponder ao valor registado na respetiva caderneta predial, como decorre, aliás, do n.º 2 do referido artigo, ou dos valores de outros elementos do ativo ou do passivo da empresa familiar, com base na violação das normas contabilísticas aplicáveis33.
A diversidade de regimes tendo por base o tipo de ativo transmitido – ações ou outro tipo de participações sociais – reflete a diferenciação decorrente do Direito Comercial dos vários tipos societários, correspondendo, grosso modo, àqueloutra que distingue entre sociedades de pessoas e sociedades de capital. No caso concreto das empresas familiares, estas são, pelas características específicas, de enquadrar nas sociedades de pessoas. Mesmo quando assumam a forma a sociedade anónima que é, precisamente, aforma típica das sociedades de capitais essas características não se alteram. Note-se, também, que a previsão normativa constante da parte final do n.º 1 do art.º 15.º do Código do Imposto do Selo em que se devolve à sociedade o poder de determinar o valor da transmissão das quotas e participações sociais logo no contrato social.
Ainda assim, o legislador, ao prever na fórmula de cálculo do valor das ações de sociedades não cotadas transmitidas um fator de capitalização dos resultados líquidos (f) tem em vista aproximar o valor das ações das sociedades não cotadas ao valor de mercado que as mesmas teriam caso estivessem contadas, ou seja, da prime earing ratio34 ou um padrão de normalidade média e afasta-se do valor exato, porquanto este não existe, mas antes um valor aproximado do valor de mercado, mas que não deve ser confundido com este35.
A aquisição do direito de propriedade sobre as participações sociais está, assim, sujeita a tributação em sede de imposto do selo, ao abrigo verba 1.2. da Tabela Geral do Imposto do Selo, constante do anexo II do já citado diploma, sendo aplicável a alíquota de 10% e, caso o património da empresa familiar transmitida tenha no seu ativo, bens imóveis, 0,8% sobre o valor destes. Não haverá lugar a liquidação e pagamento de imposto se o beneficiário da doação for “o cônjuge ou unido de facto, descendentes e ascendentes”.
Esta isenção de imposto fundada na existência de uma especial relação familiar com o doador encontra, contrariamente ao que sucede à isenção na transmissão por morte, tratamento análogo noutros ordenamentos jurídicos. Embora com algumas especificidades, encontramos em diversos ordenamentos jurídicos regras de isenção total ou parcial do pagamento de imposto que incide sobre transmissões gratuitas de bens por negócio inter vivos, em alguns casos bem mais abrangentes em termos subjetivos do que aquela que analisamos.
4.2 Transmissão mortis causa
A transmissão mortis causa das participações sociais das empresas familiares obedece, grosso modo, às mesmas regras que a transmissão gratuita por negócio inter vivos. Há, no entanto, que efetuar algumas distinções de pormenor, embora de não somenos importância.
As participações sociais, enquanto integrantes do acervo hereditário, são tributadas aquando da abertura da sucessão. E são-no, desde 2004, logo nesse momento e não no da partilha efetiva dos bens da herança.
Esta solução legal, que pode parecer colocar em causa o princípio da capacidade contributiva é, no entanto, aquela que mais se adequa à natureza jurídica e autonomia da herança ilíquida e indivisa. Neste como em outros casos, o sujeito passivo do imposto é a própria herança – ilíquida e indivisa – cabendo ao cabeça de casal36 ou aos legatários, cumprir junto da autoridade tributária não só as obrigações declarativas como também obrigações prestacionais por conta dos impostos eventualmente devidos pela transmissão. O artigo 3.º, n.º 3 al. a) do CIS nas transmissões gratuitas por morte o encargo do imposto recai sobre os herdeiros e legatários. E é precisamente neste ponto que vamos encontrar diferenciações relevantes e que decorrem, exclusivamente, do grau de parentesco entre de cujus e os herdeiros e legatários.
No uso da sua liberdade testamentária pode o titular das participações sociais determinar que as mesmas sejam alocadas a uma pessoa específica. Este destino específico é, nas empresas familiares, habitualmente norteado por considerações relacionadas com a sua capacidade para gerir o negócio familiar e dar seguimento ao mesmo.
Nos casos em que não tenha existido qualquer manifestação de vontade expressa validamente pelo autor da herança é necessário recorrer às normas do Código Civil, maxime nos arts. 2024.º e ss., para determinar quem serão os beneficiários da herança facto este que, nesta análise, não tem qualquer relevância. O que importa saber é se os sucessores se enquadram ou não numa das situações previstas na al. e) do n.º 1 do art.º 6.º do CIS37, ou seja, se são o cônjuge, o unido de facto, os descendentes ou ascendentes do de cujus e se a transmissão estava sujeita a tributação em sede da verba 1.2. da tabela geral do CIS38.
A consideração da família e, sobretudo, do núcleo familiar mais restrito para efeitos tributários não é exclusiva, como se poderia pensar, dos impostos diretos sobre o rendimento. Embora seja nesses casos que encontramos normas mais claras relativamente a determinados aspetos, também noutros impostos – e este é um desses exemplos – encontramos o reflexo de aspetos decorrentes da proteção da família. Esta delimitação corresponde a uma definição e determinação legal, mas é agora permeada por considerações sociológicas que determinam o alargamento, para alguns efeitos, desta isenção. No fundo, reconhece-se que para efeitos de transmissão de bens por morte para um unido de facto é, em termos de imposto do selo, tratada de forma similar à transmissão para o cônjuge os desentendes ou ascendentes.
De diverso um pequeno (mas não despiciendo) pormenor: enquanto que os herdeiros legitimários adquirem essa qualidade por forma de disposições legais imperativas que impedem o seu afastamento, o unido de facto apenas ingressa na qualidade de herdeiro ou de legatário se tal decorrer de disposição válida e expressa por parte do autor da herança.
Nos casos em que tenha sido determinado que a empresa deve ser transmitida a outros herdeiros que não cumpram os requisitos do art.º 6.º do CIS haverá lugar ao pagamento do imposto sucessório nos termos gerais. Nestes casos pode colocar-se a questão de saber se o pagamento de uma percentagem do valor transmitido não poderá condicionar o poder de livre disposição dos detentores das participações sociais, relegando para segundo plano aqueles que deveriam ser os interesses norteadores da definição dos beneficiários da transmissão das empresas familiares.
Embora consideremos que é sempre possível, com alguma antecedência, planeamento e compensação dos encargos, definir um quadro de transmissão das diversas posições ocupadas por cada um dos familiares na empresa que tenha em consideração a uma composição de interesses que permita amortizar o impacto financeiro do imposto39. Parece óbvio que afirmemos que as normas de direito tributário influenciam, de forma determinante, a liberdade de escolha e, por essa via, distorcendo – ou podendo distorcer – a composição dos corpos sociais e influenciar o destino da empresa familiar.
5 Conclusão
A tributação das empresas familiares em Portugal não está sujeita a regras especiais e, por essa razão, o estudo das implicações fiscais na sua constituição, gestão e dissolução é muito pouco estudado. Também não existe um tratamento diferenciado dos lucros gerados por estas empresas e distribuídos aos titulares do capital social. Podemos então dizer que as empresas familiares constituem, entre nós, uma realidade complexa, ao menos do ponto de vista administrativo e gestionário, mas não tanto para efeitos fiscais.
Nesse campo específico – o da tributação – a isenção de tributação da transmissão da empresa mortis causa é feita tendo como referência as regras gerais vigentes e desconsiderando em absoluto a vontade do autor da herança. Esta abordagem, embora permita uma neutralidade na distribuição do património pode influenciar determinantemente a gestão do património feita em vida e, ainda, o desenho das disposições testamentárias.
Ao optar por não introduzir um tratamento diferenciado das empresas familiares também em matéria fiscal, nem sequer no que à transmissão das participações sociais diz respeito, o legislador português deu nota da sua preferência pela neutralidade das normas fiscais e do relevo que reconhece ao princípio da continuidade da atividade empresarial40. De facto, esta opção denota uma convergência com os regimes legais que regulamentam a atividade empresarial, mas, sobretudo, a importância que estas empresas têm no contexto socioeconómico nacional e internacional. Fica, também patente, a ideia de que a continuidade do negócio na mesma família depende muito mais da capacidade que esta tenha para dar seguimento ao projeto inicialmente traçado do que de questões fiscais ou financeiras.
Estas empresas possuem características muito próprias que as tornam mais resilientes, mas, ao mesmo tempo, também mais vulneráveis. P. Gianiodis, S. Lee, H. Zhao, M. Foo e D. Audretsch, Lessons on small business resilience, in Journal of Small Business Management, vol. 60, 2022, 5, 1029-1040, https://doi.org/10.1080/00472778.2022.2084099↩︎
A influência que o direito fiscal pode ter na modelação das disposições testamentárias (ou a sua falta) faz-se sentir com muita intensidade nestes casos, sobretudo porque podem daí decorrer encargos elevados para o beneficiário da disposição testamentária. Para além disso, essa disposição – livre, no sentido em que não pode ser coagida, e esclarecida – do património é limitada também pelas regras sucessórias. Sobre o impacto das normas fiscais na liberdade para testar veja-se D. Almeida, Repensar o direito das sucessões. Teremos liberdade de testar?, Dissertação de Mestrado, Coimbra, 2019, em especial pp. 100 e ss. disponível em https://estudogeral.uc.pt/handle/10316/90413?mode=full↩︎
Neste contexto assumem um relevo muito especial o pacto familiar e os pactos sucessórios que podem conter regras específicas sobre a transmissão das participações no capital social, a participação nos órgãos de governo e a direção executiva da empresa. Para além disso, podem ainda condicionar algumas das relações contratuais laborais existentes, por exemplo, por passarem a ser incompatíveis ou por ser necessária a remoção dessa incompatibilidade. Note-se que ambas as figuras mencionadas são de utilização muito restrita no ordenamento jurídico português. Sem nos alongarmos diremos, apenas, que a admissibilidade do pacto sucessório se encontra delimitada pelas exigências dos arts. 2028.º, 946.º e 1700.º do Código Civil Português. Grosso modo, pode dizer-se que são admitidos os pactos sucessórios constantes das convenções antenupciais, sendo possível a conversão dos pactos sucessórios considerados nulos serem convertidos em disposição testamentária caso tenham sido cumpridos os requisitos formais do testamento – cfr. n.º 2 do art.º 946.º do Código Civil Português. Para uma visão histórica sobre os pactos sucessórios em Portugal, veja-se G. Cruz, Os Pactos Sucessórios na História do Direito Português, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, vol. 60, 1965, 93-120.↩︎
Sobre esta questão veja-se a síntese de H. Frank, A. Kessler, S. Beck, J. Suess‑Reyes e E. Fuetsch, The enterpriseness of business families: Conceptualization, scale development and validation, in Journal of Family Business Strategy, vol. 14, 2023, 2, 100522, https://doi.org/10.1016/j.jfbs.2022.100522↩︎
R. Tagiuri e J. Davis, Bivalent Attributes of the Family Firm, in Family Business Review, 9, 1996, 2, 199‑208. Esta ideia começou a circular em trabalhos elaborados pelos autores em 1978 e seria pela primeira vez publicada na Tese de Doutoramento de John Davis em 1982. Só em 1996 é que seria dado especial ênfase e divulgação através da publicação do artigo agora citado. Este modelo substituiu o modelo até então utilizado e que considerava, apenas, a existência de dois círculos: família e negócio.↩︎
K. Gersick, J. Davis, M. Hampton e I. Lansberg, Generation to Generation: Life Cycles of the Family Business, Harvard Business School Press, 1997.↩︎
J. Astrachan, S. Klein, e K. Smyrnios, The F-PEC Scale of Family Influence: A Proposal for Solving the Family Business Definition Problem, in Family Business Review, vol. 15, 2002, 1, 45-46, https://doi.org/10.1111/j.1741-6248.2002.000↩︎
Não sendo este o escopo principal deste texto, não podemos deixar de referir as especificidades inerentes a estas entidades. Embora na generalidade dos casos as empresas familiares tenham sido criadas por uma pessoa que as transforma num local de trabalho e de desenvolvimento de atividades profissionais de alguns outros membros da mesma família, só com a transmissão do controlo efetivo da atividade da entidade exercido por mais do que uma geração é que podemos falar em empresa familiar.↩︎
Elaborado pela Universidade de St. Gallen, Suiça e disponível em https://cfb.unisg.ch/en/research/global-family-business-index/↩︎
Este valor corresponde, aproximadamente, ao valor estimado pelo Fundo Monetário Internacional para a soma do Produto Interno Bruto a preços de mercado da Alemanha e do Japão (em 2023) e é mais de metade do valor projetado para o PIB Chinês.↩︎
L. Huang e A. Chen, Family business succession and corporate ESG behaviour, in Finance Research Letters, 60, 2024, 104901, https://doi.org/10.1016/j.ribaf.2023.102136 e L. Parreirão, Empresas Familiares – da Governance à Responsabilidade Social. Lisboa, 2019.↩︎
Para maiores desenvolvimentos ver J. Rodrigues, Família Empresária: Estrutura, Recursos e Poder, Lisboa, 2019 e L. Ferrão, Empresas Familiares: do Governance à Responsabilidade Social, Lisboa, 2019.↩︎
Cfr arts. 265.º e 266.º quanto às sociedades por quotas e art.º 328.º e 329.º quanto às sociedades anónimas, todos do Código das Sociedades Comerciais.↩︎
E. Bracci e E. Vagnoni, Understanding small family business succession on a knowledge management perspective, in IUP Journal of Knowledge Management, vol. IX, 2011, 1, 8-36.↩︎
Verifica-se, quanto a este aspeto concreto, uma diferença face ao tratamento que é dado noutros países quer seja porque existe um regime tributário específico para este tipo de empresas, regime esse que se pode estender à tributação dos rendimentos do trabalho auferidos por familiares que mantenham um contrato de trabalho com a empresa ou, mesmo não existindo essa especificidade, por decorrer desse facto uma vantagem ou desvantagem em termos fiscais face às empresas que não são integram a categoria de empresas familiares.↩︎
Estamos a pensar, sobretudo, nas contribuições para o sistema previdencial da Segurança Social a cargo da entidade patronal e seguro de trabalho bem como noutros eventuais benefícios financeiros ou não, como sejam os que se integram na categoria dos designados fringe benefits. A possibilidade de realização de contribuições para o sistema previdencial aparece como uma das vantagens associadas à perceção de rendimentos por decorrência da existência de um contrato de trabalho ou de prestação serviços face à recolha de dividendos. Uma outra vantagem é a regularidade dos rendimentos uma vez que, ainda que possam existir distribuições antecipadas de lucros – os designados adiantamentos por lucros –, estas estão sujeitas desde logo à existência de valores suficientemente altos para existirem lucros distribuíveis e, estando reunidas todas as demais condições legais, dificilmente a periodicidade dificilmente pode ser mensal. Cfr. arts. 297.º, n.º 1 e art.º 34.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC).↩︎
Aprovado pelo Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, na sua versão atual.↩︎
A determinação do montante dos lucros a distribuir aos sócios obedece às normas constantes do Código das Sociedades comerciais, maxime dos arts. 32.º e 217.º (sociedades por quotas) e 294 (sociedades anónimas), sendo obrigatória a distribuição de pelo menos 50% do lucro distribuível. O cálculo do valor a distribuir aos sócios obriga, ainda, a retirar do lucro do exercício os valores correspondentes às reservas legais, às reservas estatutárias e às reservas livres bem como os encargos com despesas de de investigação e de desenvolvimento que não estejam completamente amortizadas. – cfr. art.os 33.º, 217.º, 218.º, 295.º e 296.º do CSC.↩︎
Retenção esta que tem de ser comunicada, através dos meios legalmente estabelecidos, até fevereiro do ano seguinte à Autoridade Tributária, nos termos do n.º 12, do art.º 119.º do CIRS.↩︎
Neste caso, o sujeito passivo tem que comprovar, nos termos do n.º 3 do citado artigo 40.º-A do CIRS, que a entidade cumpre os requisitos e condições estabelecidos no artigo 2.º da Diretiva n.º 2011/96/UE, do Conselho, de 30 de novembro, efetuada através de declaração confirmada e autenticada pelas autoridades fiscais competentes do Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu de que é residente.↩︎
Este regime foi introduzido pelo Decreto-Lei n.º 192/2005, de 7 de novembro. Entre 2005 e 2013 vigorou para os rendimentos resultantes da partilha em consequência da liquidação dessas entidades que fossem qualificados como rendimentos de capital um regime similar, mas que viria a ser revogado pela Lei n.º 83‑C/2013, de 31 de dezembro. A aplicação deste regime que permite uma redução da matéria tributável não influencia a determinação da alíquota a reter pela entidade aquando da disponibilização na esfera jurídica do sujeito passivo do valor que lhe corresponde nos lucros distribuídos. Esta fica obrigada a reter o valor do imposto determinado tendo por referência a totalidade dos valores distribuídos e de entregar o montante retido nos cofres do Estado. A eliminação desta imposição parcial é operada aposteriori comprovados que estejam os requisitos legais para tanto.↩︎
Sobre esta problemática veja-se R. Xavier, Sucessão Familiar na Empresa, Lisboa, 2027.↩︎
L. Melin, M. Nordqvist e P. Sharma, The SAGE Handbook of Family Business, Londres, 2013, M. Gilding, S. Gregory e B. Cosson, Motives and outcomes in family business Succession Planning, in Entrepreneurship Theory and Practice, 39, 2015, 2, 299-312, https://doi.org/10.1111/etap.12040 J. Baron e R. Lachenauer, Family business handbook: how to build and sustain a successful, enduring enterprise, Harvard, 2021 e S. Buckner jr., Succession Planning Strategies for Small Family-Owned Businesses, Walden University Doctoral Thesis, 2021.↩︎
As preocupações ambientais surgem, neste contexto, como um dos fatores que influenciam de forma determinante o rumo das atividades a desenvolver pelas indústrias familiares, sendo que as gerações mais jovens tendem a apresentar um grau de sensibilidade superior para estas questões do que as gerações que as precederam.↩︎
Notamos, apenas, que os encargos tributários são um dos fatores a considerar na decisão da escolha quer da forma de transmissão quer das pessoas para quem a empresa vai ser transmitida.↩︎
J. Daspit, J. Chrisman, T. Ashton e N. Evangelopoulos, Family firm heterogeneity: a definition, common themes, scholarly progress, and directions forward, in Family Business Review, vol. 34, 2021, 3, 296‑322, https://doi.org/10.1177/08944865211008350↩︎
P. Berrone, C. Cruz e L. Gómez-Mejía, Socioemotional wealth in family firms: Theoretical dimensions, assessment approaches, and agenda for future research, in Family Business Review, vol. 25, 2012, 3, 258‑279, https://doi.org/10.1177/0894486511435355 P. Berrone, C. Cruz e L. Gómez-Mejía e M. Larraza‑Kintana, Socioemotional wealth and corporate responses to institutional pressures: Do family-controlled firms pollute less?, in Administrative Science Quarterly, vol. 55, 2010, 1, 82-113, https://doi.org/10.2189/asqu.2010.55.1.82 e R. Zaman, T. Jain, G. Samara e D. Jamali, Corporate Governance Meets Corporate Social Responsibility: Mapping the Interface, in Business & Society, vol. 61, 3, 2022, 690–752, https://doi.org/10.1177/0007650320973415↩︎
A transmissão onerosa de partes sociais das sociedades familiares é sujeita a tributação nos termos gerais. Contudo, a inexistência de disposições anti abuso parece permitir que a mesma seja feita por um valor simbólico, só sendo possível à Autoridade Tributária corrigir o valor da transmissão caso tenha suspeitas fundadas da existência de um valor de transmissão diferente do valor declarado. Tal como nos restantes casos, sempre que as partes sociais ou quotas transmitidas por via de negócio oneroso sejam de uma sociedade em nome coletivo, em comandita simples, por quotas ou anónimas quando cumpridos os requisitos cumulativos da al. d) do art.º 2.º do CIMT terá de ser liquidado imposto municipal sobre transmissões onerosas de imoveis (IMT). Na subalínea iii) podemos encontrar uma referência indiretamente relacionada com as empresas familiares e que diz respeito, precisamente, aquelas situações em que, em virtude do negócio translativo da propriedade o número de sócios se reduza a dois cassados ou unidos de facto. Neste caso é o vínculo familiar que determina a existência de um tratamento diferenciado para efeitos fiscais.↩︎
Esta alteração decorreu da revogação do então designado Código do Imposto sobre Sucessões e Doações operada pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro que procedeu a uma reforma profunda dos vários regimes legais relacionados com a tributação do património e incorporou no Código do Imposto do Selo aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de setembro e que consta do respetivo anexo I, normas relativas à tributação de negócios translativos gratuitos quer inter vivos, quer mortis causa. Apesar de ter introduzido muitas diferenciações no caso da tributação das transmissões patrimoniais a título gratuito as diferenças são menores do que noutros aspetos.↩︎
O contrato de doação encontra-se regulado nos arts. 940.º e ss. do Código Civil Português, devendo revestir a forma estabelecida na Lei.↩︎
Cfr. art.º 15.º, n.º 3 do Código do Imposto do Selo.↩︎
É de referir que o segmento da norma relativo ao fator f, na redação anterior à que lhe foi dada pelo art.º 156.º n.º 2 al. b) da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março foi julgado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 750/2022, de 4 de novembro de 2022, proferido no Processo n.º 1030/20, 2.ª secção. Entendeu-se que aquele segmento normativo violava o princípio da proporcionalidade na sua dimensão de proibição do excesso. Embora concordemos com a decisão e com o seu fundamento, acrescentaríamos, não só, que a liberdade do legislador em matéria fiscal tem como referência na distribuição da carga tributária, o princípio da capacidade contributiva. Este princípio exige que no desenho das normas e dos modelos de tributação sejam tidos em consideração parâmetros ou padrões de determinação da base de incidência dos impostos que tenham, não só correspondência com a realidade, mas, sobretudo, que o resultado da sua aplicação não se revele – em geral ou no caso concreto – manifestamente desfasada dessa realidade. Embora possamos conceder que o princípio da capacidade contributiva não tem um valor absoluto, no sentido em que não se exige que seja determinado a partir de valores reais ou de mercado (no caso concreto) também teremos que defender que há-de existir uma racionalidade e um grau elevado de correspondência com valores reais. Ora, a introdução de uma fórmula de cálculo da valorização e ações não contadas a partir de elementos objetivos e relacionados com a atividade empresarial – como sejam S, R1 e R2 – e de um fator de valorização, idêntico para todos os setores de atividade económica e diretamente relacionado com os mercados financeiros, como seja a taxa de refinanciamento do BCE exige a verificação da adequação desse fator para a determinação da valorização (os desvalorização) das ações. Para além disso, a introdução de um valor fixo de 4% para o fator f permite minimizar, anular ou até majorar os efeitos decorrentes das variações da taxa de refinanciamento levando a uma valorização das ações cujo valor seja determinado por mera aplicação da fórmula. O tratamento diferenciado das ações cotadas e não cotadas conduzia a um tratamento discriminatório e, nessa medida, desconforme com o art.º 13.º da Constituição da República Portuguesa. O desfasamento face ao valor real efetivo das ações está, em nosso entendimento, abrangido pela argumentação constante do Acórdão, embora este não o refira expressamente.↩︎
Posição similar decorre da Circular n.º 11/2007, da Direção Geral dos Impostos de 18 de outubro de 2007.↩︎
Neste sentido veja-se F. Pereira, Avaliação Fiscal de ações não cotadas, in Estudos/Centro de Estudos Fiscais, Lisboa, 1983, 22 que, embora analise o regime vigente antes da entrada em vigo do novo Código do Imposto do Selo a argumentação pode ser utilizada nesta senda.↩︎
Cfr. Acórdão n.º 280/2020 do Tribunal Constitucional, disponível em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20200280.html?impressao=1↩︎
O exercício das funções de cabeça de casal deve ser determinado nos termos nos termos dos arts. 2079.º e seguintes do Código Civil.↩︎
Embora o art.º 6.º tenha sido alterado pela Lei n.º 12/2022, de 27 de junho este regime de isenção não sofreu qualquer alteração correspondendo à anterior al. c) do art.º 6.º do CIS, na redação que lhe tinha sido dada pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro.↩︎
Enquanto que a redação original do art.º 6.º do CIS contemplava uma isenção total e irrestrita de imposto de selo para os herdeiros legitimários – cfr. art.º 2157.º do Código Civil – a nova redação introduz na categoria de sujeitos isentos o unido de facto, que não é herdeiro legitimário, e limita a isenção às transmissões gratuitas sujeitas à verba 1.2. da tabela geral do CIS. O tratamento fiscal das transmissões gratuitas por morte tem sido alvo de inúmeras alterações ao longo dos séculos e, embora tenha sido considerado como potencialmente igualador dos rendimentos e da riqueza logo a seguir à Revolução Francesa a verdade é que não foi introduzido de imediato, tem convivido com avanços e recuos e está ainda por comprovar que contribua, de forma efetiva, para a diminuição da distribuição do rendimento e da riqueza ou, sequer, que os valores arrecadados com este imposto representem uma parcela significativa da receita fiscal. Entre nós, o regime vigente até à reforma da tributação introduzida em 2003 não continham uma disposição genérica de isenção de tributação dos beneficiários da herança, mas, antes, disposições que isentavam as transmissões gratuitas de determinados bens ou até determinado valor.↩︎
Estes constrangimentos têm vindo a ser analisados há algumas décadas pela Comissão Europeia e pelo Parlamento Europeu.↩︎
Este princípio ocupa o lugar central na decisão de criação de uma empresa e em muitas das decisões de gestão, o que não significa que uma e outras decisões não possam ser influenciadas por fatores de outra ordem e não mensuráveis em termos económicos. A par dos estudos que afirma a (in)sustentabilidade a médio e a longo prazo destas empresas encontramos outros que, mais otimistas, que apontam no sentido de que mais de 30% destas empresas conseguem manter a sua atividade durante pelo menos três gerações, ou seja, cerca de 60 anos, alinhando a sua taxa de “sobrevivência” com a das demais empresas. Sem nos determos sobe esta divergência diremos, apenas, que a diversidade de resultados parece resultar da utilização de noções ligeiramente diversas de empresa familiar. J. L. Ward, Keeping the Family Business Healthy: How to Plan for Continuing Growth, Profitability, and Family Leadership, Nova York, 2011, S. Ahmad, K. Siddiqui e H. AboAlsamh, Family SMEs’ survival: the role of owner family and corporate social responsibility, in Journal of Small Business and Enterprise Development, 27, 2020, 2, 281-297, https://doi.org/10.1108/JSBED-12-2019-0406↩︎